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Acre lidera modelo pioneiro de brigadas comunitárias dentro de unidades de conservação estadual e reduz queimadas em mais de 90% dentro dessas áreas 

O Acre tem se firmado como laboratório vivo de inovação ambiental ao unir esforços do poder público estadual, articulações com esferas federais e parcerias com comunidades locais, e inaugurar uma nova lógica de proteção florestal, que não apenas preserva, mas também transforma. Pioneiro no Brasil, o Acre é o primeiro a oficializar a presença de brigadistas comunitários remunerados em unidades de conservação estaduais.

Brigadistas comunitários ajudam na contenção e prevenção do fogo dentro de suas comunidades. Foto: Alice Leão/Secom

Coordenado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), em parceria com o Corpo de Bombeiros Militar do Acre (CBMAC), o Programa de Brigadistas Comunitários se firma para além de uma política pública, mas também como motor de mudança que gera renda, fortalece vínculos com o território e reposiciona os moradores da floresta como protagonistas da sua própria proteção.

Ao investir em ações concretas de resiliência climática e segurança ambiental, o governo reafirma seu compromisso com a vida, a biodiversidade e o futuro.

O tenente do Corpo de Bombeiros Militar do Acre (CBMAC) e coordenador da Brigada Comunitária, Marlon Castelo Branco, explica que o programa prevê a atuação direta de moradores das unidades de conservação estaduais no combate ao fogo em áreas de vegetação.

Segundo ele, além da resposta aos incêndios florestais, os brigadistas também participam de ações de prevenção, contribuindo com o conhecimento da comunidade local para evitar os altos índices de queimadas.

Tenente do Corpo de Bombeiros e coordenador do projeto, Marlon Castelo Branco, orienta equipes antes de irem a campo. Foto: Alice Leão/Secom

“O contrato tem duração de seis meses e, nesse período, os brigadistas recebem um auxílio, que é uma ajuda de custo para alimentação e deslocamento. Eles também recebem fardamento, equipamentos de proteção individual e toda a estrutura necessária para realizar um combate seguro”, detalha o tenente.

De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Acre registrou uma queda expressiva de 97,7% nos focos de calor em unidades de conservação estaduais entre os períodos de janeiro a início de outubro dos anos de 2024 e 2025.

Enquanto no ano passado foram contabilizados 261 focos em quatro unidades, neste ano o número caiu para apenas seis, distribuídos em três áreas protegidas. A redução expressiva é resultado direto de ações integradas de prevenção e combate aos incêndios florestais, impulsionadas por projetos que unem tecnologia, capacitação e envolvimento comunitário.

Acre é pioneiro em um projeto envolvendo comunidade dentro das unidades de conservação estaduais. Foto: Alice Leão/Secom

Poucos estados têm iniciativas semelhantes, segundo o tenente, que atribui esse avanço a um conjunto de ações, como a Operação Protetor dos Biomas – Fogo Controlado, realizada em parceria com o Corpo de Bombeiros.

“Esse projeto também promove crescimento social nas comunidades, porque agrega valor econômico e traz capacitação técnica. Cada brigada conta com cerca de dez brigadistas, o que representa uma renda significativa para comunidades pequenas”, pontua.

Atualmente, o programa atua nas regiões das Áreas de Proteção Ambiental (APAs) Igarapé São Francisco e Lago do Amapá, da Floresta Estadual do Antimary, do Complexo de Florestas Estaduais do Rio Gregório (Cferg) e da Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) Japiim–Pentecoste.

Cada brigadista recebe uma ajuda de custo mensal de R$ 1.476, além de seguro de vida e equipamentos de proteção individual (EPIs). O programa é financiado pela organização internacional Re:wild e executado em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), com recursos garantidos ainda na Semana do Clima de Nova York (2023) pelo governador Gladson Camelí.

Mulheres se destacam na liderança de brigadas comunitárias. Foto: Alice Leão/Secom

Protagonismo feminino

O ingresso nas brigadas comunitárias do Acre exige preparo e dedicação. Os candidatos passam por avaliação curricular, testes físicos e provas práticas. Após a seleção, enfrentam uma formação técnica intensiva de 30 horas, com aulas teóricas e atividades de campo em parceria com o Corpo de Bombeiros Militar.

Mas é no cotidiano da floresta, entre o calor das chamas e o peso da responsabilidade, que se revela uma força que vai além da técnica: a presença feminina. Em meio à coragem que define essas brigadas remuneradas, mulheres têm se destacado como símbolo de inclusão e transformação. Das cinco equipes em atuação, três são lideradas por elas, um marco que reafirma o protagonismo feminino na proteção ambiental e no enfrentamento direto aos incêndios florestais. É delas que vem a voz que inspira e rompe barreiras.

Aos 24 anos, Nélita Freitas dos Santos é professora e chefe da brigada comunitária na Floresta do Antimary. Há dois anos, ela trocou o balcão de uma lanchonete pela vida na floresta e, desde então, tem se dedicado à proteção ambiental.

Nélita destaca que projeto também gera renda dentro das áreas protegidas. Foto: Alice Leão/Secom

A mudança começou com a capacitação em Sena Madureira, onde descobriu uma nova vocação.

“O que me chamou atenção foi a parte do meio ambiente, que eu acredito ser de grande importância. E também foi uma forma de emprego para o pessoal daqui, porque não é fácil encontrar emprego aqui dentro”, conta.

Nélita lembra que, quando chegou à floresta, os focos de incêndio eram intensos e constantes. “A gente não conseguia nem respirar. Hoje, a diferença é visível. Os focos diminuíram bastante”, afirma.

Ela destaca o protagonismo feminino no projeto. “A maioria das inscrições foi de mulheres. E nós aguentamos firme. A capacitação foi pesada, os testes físicos foram exigentes, mas conseguimos mostrar que somos capazes”, diz com orgulho.

Brigadistas se reúnem com moradores da região para levar informação. Foto: Alice Leão/Secom

Como moradora da floresta, Nélita acredita que a afinidade com a comunidade é um diferencial. “A gente já conhece o pessoal, tem uma relação próxima. Isso facilita muito o trabalho de prevenção e educação ambiental”, explica.

O projeto, para ela, representa uma virada de chave, não só para a floresta, mas para quem vive nela. “Se aqui teve mudança, acredito que outros estados também podem ter. Meu plano é continuar no projeto, fazer a capacitação novamente e seguir combatendo e educando o pessoal”, conclui.

Comunidade tem dado às mãos com o Estado para o combate ao fogo. Foto: Pedro Devani/Secom

Resistência e pertencimento

Por viverem nas mesmas comunidades onde atuam, os brigadistas comunitários carregam consigo um conhecimento profundo do território e uma relação de confiança com os moradores locais.

Essa conexão direta com o ambiente e com as pessoas permite respostas mais ágeis e eficazes diante dos focos de incêndio. Mas o trabalho vai além do combate às chamas, os brigadistas também são agentes de transformação, atuando em ações de educação ambiental, prevenção e sensibilização, que ocorrem em escolas, comércio e comunidades rurais e urbanas.

Com escuta ativa e presença constante, eles ajudam a conservar a vegetação nativa e a reduzir os riscos durante o período de estiagem, fortalecendo a cultura de cuidado com a floresta e com quem vive dela.

Moradores relatam os benefícios da brigada na mudança de hábito daqueles que são alcançados pelo projeto. Foto: Alice Leão/Secom

Guardião da floresta

Professor e brigadista há cinco meses, José da Silva Gomes vive na colônia São Sebastião, às margens do Rio Tauari. Dividindo sua rotina entre as salas de aula e as ações de combate ao fogo, ele vê na brigada comunitária um novo desafio e uma oportunidade de transformação.

“Quando entrei para a brigada, sabia que seria uma experiência intensa, mas também muito enriquecedora. Além de aprender, posso ajudar as pessoas e contribuir com a preservação do meio ambiente, combatendo queimadas e desmatamento”, afirma.

Gomes acredita que o envolvimento de moradores locais é essencial para o sucesso do projeto. “Essa iniciativa do governo de incluir pessoas da própria comunidade é muito positiva. Ela motiva, traz esperança para quem muitas vezes se sente esquecido. Os colonheiros acabam se rebaixando, achando que não têm vez, mas esse projeto mostra que temos valor”, diz.

Nas escolas, a educação ambiental faz a diferença. Foto: Alice Leão/Secom

Durante uma palestra para crianças, ele reforçou a importância de multiplicar esse modelo. “Acredito que essa ação pode ser expandida para outros estados e até chamar atenção internacional. Afinal, estamos cuidando da natureza, e isso é o que realmente importa.”

Como morador da região, ele também percebe os impactos concretos das ações de prevenção. “Comparando com o ano passado, que foi muito crítico, já dá pra sentir uma diferença. Ainda há incêndios, mas diminuíram bastante. Isso mostra que há um olhar mais atento, um cuidado com o meio ambiente e com as pessoas”, avalia.

Para ele, o projeto não deve parar por aqui, pelo contrário, deve ser expandido. “Se avançarmos mais, vamos conquistar novos projetos, fortalecer a sociedade e conservar o meio ambiente, que é essencial para todos nós”, conclui.

Política pública deixou de ser vertical e hoje escuta e trabalha junto com a comunidade e povos tradicionais para garantir eficácia do projeto. Foto: Alice Leão/Secom

Quando o fogo virou lição e a escuta virou política

A expressiva redução dos focos de queimadas no Acre não é fruto do acaso. Por trás dos números, há uma mudança de paradigma, em que gestores públicos sensíveis decidiram romper com modelos verticais e se unir às comunidades em uma gestão integrada, capaz de expandir ações de prevenção e proteção ambiental de uma ponta a outra do estado.

A escuta ativa e o envolvimento direto da população transformaram o combate ao fogo em uma política pública eficaz e enraizada no território.

Juliano Augusto Ninawa, brigadista e agente ambiental comunitário, mora há 17 anos no espaço cultural Área Viva, na APA do Igarapé São Francisco, e testemunhou de perto os impactos da ausência de controle sobre o uso do fogo. Ele lembra com precisão o incêndio de 2010, causado por uma queima de lixo que se alastrou e destruiu cerca de 2 mil hectares.

Brigadas em comunidades fizeram toda a diferença na redução de focos de incêndio. Foto: Pedro Devani/Secom

“Foram muitos dias de incêndio. A gente ficava desesperado, porque o fogo queimava cercas, roçados, passava perto das casas. Era um prejuízo enorme, e a floresta, com toda a sua riqueza, estava sendo consumida”, relata.

O brigadista conta que, na época, a única esperança veio com a chuva. “Foi a natureza que ajudou a gente. E foi ali que entendemos a urgência de ter prevenção e controle sobre o uso do fogo, para garantir uma melhor qualidade de vida”, afirma.

A partir dessa experiência, ele passou a integrar o programa de agentes ambientais voluntários ligados ao Ibama e participou da primeira capacitação promovida pela Sema e pelo Corpo de Bombeiros.

Ninawa reforça que os verdadeiros responsáveis pela proteção da floresta são os próprios moradores.

Brigadistas também trabalham plantando mudas para reflorestamento. Foto: Alice Leão/Secom

“Todos aqui são comunidade. E o poder público precisa estar junto, não separado. Antes, os projetos vinham de cima para baixo, sem encaixar na nossa realidade. Era como montar um quebra-cabeça com peças trocadas”.

Segundo ele, foi a partir da integração entre todas as esferas — comunidade, governo e instituições — que se começou a construir um modelo funcional. “A gente percebeu que cuidar do meio ambiente exige equilíbrio. Não adianta proteger só um trecho do rio se ele continua sendo poluído mais abaixo. É preciso cuidar de todas as áreas”, explica.

Hoje, ele vê com orgulho a transformação que o projeto trouxe e acredita que a comunidade se apropriou do processo. “A gente sabe do fogo antes dele começar. Se o proprietário não nos chama, ele sabe que vamos aparecer no dia seguinte. Criamos uma rede de conscientização. O filho vira brigadista, o vizinho vira agente e isso muda a cultura”, conclui.

Uma mudança que também que alcança os saberes tradicionais, peças fundamentais para esse controle.

“Os indígenas sabem que o mato é remédio. E, de repente, percebem que estão queimando o que poderia curar. Isso transforma a visão. E é aí que começa a verdadeira mudança.”

Conhecimentos são compartilhados com toda a comunidade. Foto: Alice Leão/Secom

Menos fogo, mais vida

A redução dos focos de incêndio nas áreas protegidas do Acre é a expressão concreta de uma transformação social que se enraizou nas comunidades. O projeto dos brigadistas comunitários não apenas protege a floresta, mas também redesenha a relação entre o Estado e os moradores, que hoje se reconhecem nos agentes de mudança que atuam ao seu lado.

Ao invés de serem espectadores, tornaram-se protagonistas. Há relatos de que, no passado, atendimentos médicos por problemas respiratórios eram frequentes, mas neste ano, com a melhora na qualidade do ar, esses casos praticamente desapareceram.

Marina Mendonça, que no ano passado, precisou procurar o médico devido à fumaça, fala como os focos de incêndio reduziram em sua comunidade. Foto: Alice Leão/Secom

Como é o caso da aposentada Marina Mendonça, de 66 anos, que no ano passado teve que procurar o hospital porque tem problemas respiratórios e a fumaça agravou seu quadro. Já este ano, ela fala que o cenário é outro.

“Está bem melhor. Os bombeiros e brigadistas passam sempre, orientando as pessoas a evitarem as queimadas, porque isso prejudica o meio ambiente e a saúde. E o pessoal tem dado uma maneirada”, afirma.

A iniciativa mostra que é possível trabalhar com técnica e eficiência, sem agredir o meio ambiente, promovendo educação sobre o uso consciente dos recursos naturais. E os moradores não apenas relatam essa mudança, eles a vivem, respiram e carregam no corpo os sinais de uma política pública que devolve dignidade, saúde e pertencimento.

Morador de Mâncio Lima, Jeovane Dias acompanha de perto os impactos da brigada comunitária na região. Para ele, a presença dos brigadistas tem sido decisiva na contenção dos incêndios florestais, especialmente em áreas mais afastadas, onde o acesso ao Corpo de Bombeiros é limitado.

“A brigada ajuda muito nesse controle e orienta sobre as normas de uso do fogo. Isso é muito importante para nós aqui. O tempo de resposta era longo, e muitas vezes a logística não permitia que eles chegassem a tempo. Agora, com a brigada local, os focos são amenizados com mais rapidez”, relata.

Evanildes conta que sua família já foi atendida pela brigada e revela que isso fez toda a diferença. Foto: Alice Leão/Secom

Ele também percebeu melhorias na saúde da população. “Antes, com tanta fumaça, muita gente ficava gripada, com sintomas respiratórios. A comunidade se envolvia demais com o fogo e isso trazia doenças, mas agora está mais tranquilo.”

Moradora da comunidade São Domingos, em Mâncio Lima, Evanildes Mendes reconhece o impacto direto da brigada comunitária na rotina dos moradores. Para ela, o trabalho dos brigadistas é essencial.

“Sempre eles vêm, fazem palestras aqui e explicam como funciona essa questão do fogo. Ano passado, teve uma queimada muito forte aqui na comunidade. Meu menino tinha uma casinha lá. Se eles não tivessem chegado tão rápido, a casinha dele teria pegado fogo”, relembra.

Segundo ela, a comunidade já foi atendida várias vezes e percebeu uma melhora significativa desde que os brigadistas passaram a atuar. “Ano passado foi muito intenso, com muita fumaça e incêndio. Mas agora diminuiu muito, muito mesmo. Quando eles trazem panfletos e informações, a gente entende. E quem não entende, a gente explica. Vai virando aquele boca a boca que resolve”, conclui.

Aos 80 anos, Manoel da Costa carrega na memória o contraste entre o passado recente e o presente mais respirável. Morador da zona rural, ele lembra como a fumaça tomava conta do horizonte durante o período de estiagem.

“No ano passado, nessa mesma época, a gente olhava pro céu e só via vermelho. O sol ficava encoberto, tudo era fumaça. Era aquela serração pesada, que não deixava a gente enxergar nada”, recorda.

Projeto envolve combate e educação ambiental. Foto: Alice Leão/Secom

Este ano, segundo ele, o cenário mudou. “Graças a Deus, agora está tudo limpo. Levou tempo, mas melhorou muito”, afirma.

Ele também destaca a importância da educação ambiental e da presença de pessoas da própria comunidade na linha de frente. “Quando a gente não tem noção das coisas, tudo parece complicado. Mas quando vê o pessoal explicando, lendo, falando, a cabeça muda. Aqui na minha comunidade, quase 100% já não trabalha mais com fogo”, diz com orgulho.

Hoje, segundo ele, boa parte da produção agrícola é feita com técnicas alternativas, como o uso de máquinas e o plantio direto. E é assim, com pioneirismo, capacitação técnica e engajamento comunitário, que o Acre fortalece sua resiliência climática e reafirma o compromisso com a proteção das florestas, da biodiversidade e da vida das pessoas.

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Autor

Paiva Fernando
Editor chefe de vários jornais online O jornalista mais lido na Blasting News Mais de 150 milhões de leitores