O câncer de mama é o tipo que mais acomete mulheres em todo o mundo, tanto em países em desenvolvimento quanto em países desenvolvidos. Isso faz dele um alvo natural para pesquisas e iniciativas que busquem soluções para facilitar seu diagnóstico ou para viabilizar tratamentos mais assertivos.
Esse é o objetivo do estudo “Desenvolvimento e Análise da vacina de células dendríticas e linfócitos tumor infiltrantes nas respostas imunológicas de tumores de mama e melanoma experimentais em camundongos”, coordenado pela pesquisadora Márcia Antoniazi Michelin, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).
Para compreender a pesquisa, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), é importante entender o que são as células dendríticas e qual a função delas no organismo.
Descobertas pelo canadense Ralph Steinman, em 1973, as células dendríticas funcionam como ativadoras do sistema imunológico dos mamíferos. Essas células atuam como mensageiras entre a imunidade inata e a adquirida, auxiliando o organismo no processo de resposta imunológica, combatendo infecções promovidas por bactérias ou outros microrganismos.
Esse estudo rendeu ao pesquisador o prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 2011, reconhecimento que ele dividiu com os pesquisadores Bruce Bleuter e Jules Hoffmann.
Márcia Michelin explica que as células receberam esse nome porque têm dendritos, aqueles prolongamentos que existem também nos neurônios e que auxiliam a recepção de estímulos.
“As células dendríticas têm características muito importantes e podem induzir a resposta imune do organismo. Pacientes com câncer em fase terminal têm muitas células dendríticas circulantes no sangue, mas todas elas estão em uma forma imatura. Elas não estão aptas a iniciar o sistema de defesa”, explica.
A pesquisadora faz uma analogia que compara o sistema de defesa do corpo humano a uma orquestra. É como se cada célula tocasse um instrumento de acordo com um maestro, que no caso são os linfócitos T – que executam diversas funções na defesa contra infecções causadas por vários tipos de microrganismos. As células dendríticas dão as ordens para o maestro antes de ele começar a reger os músicos, no caso, as outras células.
“Elas atuam nos linfócitos T, dirigindo toda a resposta imune. Então, se elas não estiverem funcionando, nada no sistema imune funciona, tanto que o mercado de escape do tumor é justamente afetar a maturação das células dendríticas, porque aí ele inibe o processo”, explica Márcia.
Imunoterapia
No estudo experimental, a pesquisadora propõe uma imunoterapia autóloga, ou seja, feita a partir de material do próprio paciente, que, para facilitar a compreensão, foi chamada de vacina de células dendríticas e de linfócitos tumor infiltrantes.
A pesquisa está sendo desenvolvida por meio da análise de tumores (quando presentes) de mamas, de baços, fígados, pulmões, linfonodos e lavado peritoneal retirados para as análises das metástases e da eficácia da vacina sobre parâmetros do sistema imunológicos.
Para as análises histológicas, são usadas imuno-histoquímica, citometria de fluxo, ensaios de citotoxicidade in vitro, Elisa e qPCR.
O grupo de pesquisa coordenado por Márcia atua na linha de imunoncologia há cerca de duas décadas e os resultados já demonstram a eficácia das células dendríticas autólogas de forma profilática e mesmo preventiva em humanos e camundongos.
Como a terapia ainda está em fase experimental, por enquanto ela só é usada em pacientes que já esgotaram as outras possibilidades de tratamento, como quimioterapia, radioterapia e remoção cirúrgica, tudo de acordo com os comitês de ética e com o devido consentimento.
“Na prática, o que nós fazemos é tirar o sangue periférico do paciente, separamos em laboratório só um tipo celular que chamamos de células mononucleares e estimulamos essas células com fatores de crescimento para que elas se diferenciem e se transformem em células maduras. Depois disso, pegamos a biópsia do próprio paciente e colocamos em contato com as células mononucleares”, detalha a pesquisadora.
“É como se falássemos para ela: olha aqui, células dendríticas, isso aqui é um tumor, vocês precisam instruir os linfócitos a destruírem ele. Aí deixamos alguns dias em contato e injetamos por via subcutânea nos pacientes”, exemplifica.
Márcia relata que os resultados têm sido promissores e animam a equipe a seguir com os estudos. A pesquisadora conta que as injeções são aplicadas nos pacientes a cada 15 dias e que há uma redução considerável da massa tumoral até uns três meses após a aplicação. Depois desse tempo, o tumor estabiliza.
“Tenho uma alegria muito grande de dizer que, muitos pacientes – não apenas em quem tem câncer de mama, usamos em outros tipos de tumores sólidos também – chegam com expectativa de vida de três a quatro meses. Embora a nossa terapia ainda não consiga reduzir 100% o tumor, a redução que ocorre aumenta a expectativa de vida deles em dois, três anos e também permite que ele viva com mais qualidade”, afirma.
O próximo passo é entender por que a redução dos tumores estabiliza após um tempo. A pesquisadora já tem dados baseados em testes com camundongos que mostram que, se mudar alguns aspectos no processo de maturação, colocando alguns componentes in vitro, essa célula pode se tornar muito mais eficiente.
Além disso, há evidências que mostram que também há redução de metástase hepática, pulmonar e no sistema nervoso central, o que melhora a qualidade de vida do paciente.
Dessa forma, após a eficácia do tratamento profilático ter sido comprovada, Márcia e sua equipe decidiram verificar se a mesma lógica funcionaria de forma terapêutica, ou seja, se seria capaz de evitar o surgimento de um tumor.
“Para isso, separamos dois grupos de camundongos, um recebeu a vacina de células dendríticas e o outro não. Depois induzimos um tumor de mama nos animais. E, imagine, o grupo que recebeu a vacina não desenvolveu a doença”, contou a pesquisadora.
Nos próximos meses, o grupo seguirá trabalhando no processo de maturação das células dendríticas e ainda conseguirá ampliar os estudos, contemplando também os pacientes hematológicos, com linfomas, por exemplo.
Prevenção o ano todo
Desde 1990, o mês de outubro é lembrado como o mês da prevenção ao câncer de mama, o Outubro Rosa. Mas a dimensão do problema mostra que a informação sobre a doença precisa circular o ano todo.
De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), para o Brasil, foram estimados 73.610 casos novos de câncer de mama em 2023, com um risco estimado de 66,54 casos a cada 100 mil mulheres.
O câncer de mama também ocupa a primeira posição em mortalidade por câncer entre as mulheres no Brasil, com taxa de mortalidade ajustada por idade, pela população mundial, para 2021, de 11,71/100 mil (18.139 óbitos). As maiores taxas de incidência e de mortalidade estão nas regiões Sul e Sudeste do Brasil.
De acordo com dados da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), em 2022, foram diagnosticados 7.235 casos de neoplasia maligna da mama em Minas Gerais. Desses, 56,8% dos casos tratados iniciaram o tratamento 60 dias após o diagnóstico, 25,9% dos casos se encontram sem Informação de Tratamento.
Não há uma causa única para o câncer de mama. Diversos fatores estão relacionados ao desenvolvimento da doença entre as mulheres, como envelhecimento, determinantes relacionados à vida reprodutiva da mulher, histórico familiar de câncer de mama, consumo de álcool, excesso de peso, atividade física insuficiente e exposição à radiação ionizante.
A SES-MG entende que o cuidado à saúde das mulheres deve completar as suas necessidades, considerando as fases da vida. Ele deve ser ofertado de forma integral, humanizada, pautada nas ações de autocuidado, promoção à saúde, prevenção de doenças e respeitando a singularidade e os direitos conquistados ao longo dos anos.
A prevenção do câncer de mama cabe a Atenção Primária à Saúde, que se configura como ordenadora do cuidado, sendo responsável por identificar e realizar a busca ativa do público-alvo. As Unidades de Atenção Primária a Saúde são a porta de entrada para acolhimento dos pacientes no sistema e possui uma equipe multiprofissional.
Atualmente, Minas Gerais possui 28 Centros de Atenção Especializada Ambulatorial (Ceae) implantados, os quais são regulamentados pela Resolução SES/MG N° 6.946, de 04 de dezembro de 2019 e suas alterações, que propiciam cobertura de aproximadamente 50% do território do estado.