A Shopee, que atende pela razão social SHPS Tecnologia e Serviços Ltda., foi notificada pelo Procon Carioca, órgão vinculado à Secretaria Municipal de Cidadania da Prefeitura do Rio, a apresentar defesa prévia, no prazo de 20 dias, sobre as mais de 1,3 mil reclamações que apontam a comercialização de produtos ilegais, a ausência de emissão de notas fiscais pelos vendedores sobre os produtos e as dificuldades do consumidor para reembolso. Números que, em nível nacional, ultrapassam 20 mil registros no Consumidor.gov e mais de 360 mil chamados na plataforma Reclame Aqui. Além da Shopee, foram notificadas as empresas Ali Express, Amazon, Americanas, Magazine Luiza, Mercado Livre e Via S.A. (Ponto Frio e Casas Bahia).
O Procon Carioca aplicou uma medida cautelar para que seja feita adequação na plataforma, no prazo máximo de 21 dias, para coibir a prática de comercialização dos produtos em que se visualize evidentes casos de contrafação (falsificação), bem como toda a publicidade e anúncio envolvidos na comercialização. E ainda permita aos consumidores a devolução dos produtos a partir da constatação da falsificação, realizando assim o devido estorno aos consumidores.
Foi recomendado também que a fornecedora realize a adequação na plataforma para que ocorra o controle na comercialização desses produtos ilegais, fazendo com que os anúncios capazes de induzir o consumidor a erro sejam retirados e as lojas bloqueadas, além de implementar um controle adequado de cadastro de usuários, solicitando documentos de identificação e registro, seja pessoa física ou jurídica, de modo a verificar a emissão correta das notas fiscais dos produtos comercializados em toda a plataforma.
Além disso, ficou determinado que sejam criados canais de denúncia dos consumidores sobre o comércio de produtos ilegais e a delimitação de regras adequadas e critérios objetivos que prevejam a exclusão e banimento de vendedores de produtos ilícitos da plataforma.
Segundo dados divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o comércio eletrônico movimentou cerca de R$ 507,56 bilhões entre 2019 e 2022. Para o levantamento dos dados, foram consideradas todas as vendas online no Brasil com emissão de nota fiscal eletrônica. Em 2019, foram movimentados R$ 57,44 bilhões. Mas, para efeito de comparação, se somarmos os valores apurados nos anos 2016, 2017 e 2018, o valor total seria de R$ 120,62 bilhões, enquanto que somente os anos de 2021 e 2022, individualmente, movimentaram R$ 155,76 bilhões e R$ 187,13 bilhões, respectivamente. Dados como esses não só revelam a dimensão do crescimento do comércio eletrônico no país durante e após a pandemia, mas também evidenciam o impacto na vida dos consumidores e das fornecedoras, além do retorno na arrecadação para o estado.
No entanto, já se verificou que essa mudança realizada pelas fornecedoras é uma via de mão dupla, já que mesmo havendo diversos benefícios aos consumidores, há também o crescimento de ofertas direcionadas aos consumidores com ausência de informação clara, potencial risco à saúde e segurança, publicidades enganosas ou abusivas, ou outras ações vedadas pelo direito do consumidor.
O cenário atual nas plataformas
Analisando o cenário de comércio eletrônico de marketplace, o que se constata atualmente é o crescimento desenfreado de anúncios capazes de induzir os consumidores a erro nas ofertas, além da comercialização de incontáveis imitações de produtos, produtos não licenciados ou ainda a venda ilícita de produtos contrafeitos nas plataformas. É importante destacar a diferença entre “produtos não licenciados”, “imitações de produtos” e “produtos contrafeitos”, popularmente conhecidos como “falsificados”.
O “produto não licenciado” é aquele em que a fornecedora não possui autorização da proprietária para explorar os direitos comerciais de um produto, marca ou direito autoral registrado por outra empresa. As “imitações de produtos” referem-se a um produto que copia toda a aparência de um original, mas não utiliza nome ou logo da marca e nem etiquetas, com objetivo de enganar os consumidores. Já os “produtos contrafeitos”, costumeiramente chamados de “produtos falsificados”, são aqueles que o fornecedor realiza a confecção de um artigo à imagem e semelhança de outro, cujo direito de propriedade e exploração pertence já a uma marca, com o objetivo de imitar as características físicas e funcionais para sua comercialização, muito visto em produtos de artigos esportivos, vestuário, perfumaria e eletrônicos, entre outros.
O impacto desse comércio ilegal
Dados divulgados pelo Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade demonstraram que somente em 2020, o Brasil perdeu cerca de R$ 287 bilhões para o mercado ilegal, sendo apreendidos mais de 2,6 bilhões de produtos. Já no ano de 2021, essa perda em razão do comércio ilegal custou cerca de R$ 300,5 bilhões ao Brasil.
Em 2022, o país perdeu R$ 345 bilhões em razão do comércio ilegal de produtos contrafeitos, caracterizando um aumento de quase 15% em comparação ao ano anterior. Essa perda de receita cresce ano após ano, em razão de dois principais fatores: a diminuição na venda dos produtos originais pelas fornecedoras do setor e a ausência do recolhimento correto dos impostos previstos, na medida em que mesmo nos casos em que há o recolhimento, esse não se dá de forma justa, já que o valor dos produtos é significativamente menor do que o valor do artigo original.
Nesse sentido, é inegável dizer que a fornecedora possui responsabilidade solidária na relação em questão, uma vez que não só compõe a cadeia de consumo, como também obtém vantagem econômica sobre o comércio desses produtos ilegais. Em fiscalização realizada no site, os agentes verificaram a presença de uma vasta quantidade de produtos contrafeitos sendo comercializados sem quaisquer controles ou garantias para com os consumidores.
O enriquecimento ilícito da fornecedora
Após análise, a equipe do Procon Carioca verificou que, num recorte de apenas 12 produtos – todos contrafeitos – foram realizadas mais de 105 mil vendas, com um faturamento total de R$ 4.061.075, no qual a fornecedora faturou no mínimo R$ 778.934,50, podendo ser um valor ainda maior, já que o cálculo foi realizado com base na comissão padrão da plataforma.
A necessidade de emissão de nota fiscal
Vale ressaltar ainda que, considerando se tratar de comércio de produtos, há, de forma clara e expressa, a obrigatoriedade da fornecedora em proceder com a emissão de documentos fiscais relativos à venda, sua declaração e demais recolhimentos fiscais dos produtos comercializados no momento da efetivação da operação. No entanto, em seus Termos de Serviço, a plataforma condiciona a emissão da nota fiscal à solicitação do consumidor.
Conforme se visualiza na plataforma, não há qualquer informação relativa ao CNPJ, CPF ou endereço do vendedor, mas somente um nome de usuário, sem qualquer comprovação de veracidade da informação, ou ainda que seja do nome fantasia da pessoa jurídica ou nome da pessoa física do vendedor, mesmo o vendedor já tendo comercializado mais de 2,8 mil tênis falsificados, e faturado mais de R$ 118 mil, a loja ainda esteja ativa há 27 meses.
No prazo determinado, os notificados deverão responder ao Procon Carioca as seguintes questões:
1) Qual a política adotada pela fornecedora para o cadastro das lojas em seu
site? Quais documentos são exigidos?
2) Como são prestadas as informações sobre o vendedor aos consumidores?
3) Qual a política adotada pela fornecedora para delimitação dos produtos que
podem ser comercializados em seu site?
4) Qual o controle realizado pela fornecedora para vetar a comercialização de
imitação de produtos, produtos falsificados ou produtos não homologados em seu
site? Quais documentos são exigidos para verificar a procedência dos produtos?
5) Quais são as formas de verificação da procedência dos produtos que são
comercializados em seu site? As notas fiscais de compra dos produtos são fornecidas para a verificação?
6) Há algum trabalho em conjunto com marcas, associações ou empresas para
mitigar o crescimento de anúncios, bem como a comercialização de produtos não
licenciados ou falsificados?
7) Há algum trabalho em conjunto com os Institutos ou Agências responsáveis
pelo controle, fiscalização e autorização dos produtos, para mitigar o crescimento
de anúncios, bem como a comercialização de produtos falsificados, não homologados ou com algum tipo de restrição na venda?
8) Quais procedimentos são utilizados para bloqueio e restrição da comercialização de imitação de produtos, produtos falsificados ou produtos não homologados?
9) Quais critérios são utilizados na aprovação de anúncios de comercialização
de produtos no site da fornecedora?
10) Há algum canal disponível para que o consumidor realize uma reclamação
acerca da venda de imitação de produtos, produtos falsificados ou produtos não
homologados?
11) A partir da reclamação de um consumidor acerca da comercialização de imitação de produtos, produtos falsificados ou produtos não homologados, qual o
procedimento adotado pela fornecedora para análise da demanda? Há previsão
de prazo para resposta?
12) É possibilitado ao consumidor a devolução do produto contrafeito? Em caso
positivo, como é realizado o estorno do valor pago pelo produto?
13) Há estorno do valor pago em caso de reclamação do consumidor em virtude
do recebimento de produtos contrafeitos, ou outra espécie de compensação?
14) Há monitoramento constante dos anúncios para mitigar a comercialização
de produtos contrafeitos? Quantos funcionários são empregados no setor ou a
função é terceirizada? Fornecer contratos em caso de terceirização.
15) Quantas contas foram suspensas/banidas da plataforma em virtude de problemas relacionados a este fato nos últimos 12 meses? Especificar mês.
16) Como é realizado o procedimento para a emissão de nota fiscal pela notificada dos produtos comercializados?
17) Quais são as regras para emissão de nota fiscal das imitações de produtos,
produtos contrafeitos ou produtos não homologados, ou seja, ilegais, comercializados na plataforma da notificada?
18) Como é realizado o tratamento de dados pessoais e sensíveis dos consumidores pela notificada?
19) Qual limite de compartilhamento dos dados pessoais e sensíveis dos consumidores com os vendedores?